Chegaste
em um dia qualquer
de uma certa estação.
Sem aviso,
sequer,
nenhuma empolgação,
como quem chega sem querer,
dissimulando o querer ficar.
Como um bem maior,
um privilégio,
presença indispensável,
sortilégio,
burlando o fuso horário,
mudando o calendário,
o itinerário,
a hora,
o fadário,
senhor absoluto do tempo.
Chegaste.
Surpreendendo a manhã
ao entregar o cetro
para a tarde,
revelando sombras,
em vertical,
de pessoas vagando
sob o sol:
rito costumeiro e pontual
anunciando o meio-dia,
do dia em que escolheste
para chegar.
Entremeio de manhã e tarde,
das entrelinhas para o baluarte,
da surdina ao gesto de alarde,
na expectativa de espreitar a beleza,
roubar tons em gradação,
cores em formação
no momento exato do impacto
causado pelo sol tingindo o céu
e logo se perder no horizonte.
Foste.
Junto com as cores do arrebol
morrer, também, atrás dos montes,
renascer,
talvez,
um novo sol
a irromper no amanhã
com a manhã de cada dia.
jan 25 2022
Chegada!
dez 11 2021
A Dor do Poeta!
Arranca, poeta,
a dor dentro do peito,
lembra-te de que,
para tudo,
há um jeito
imbuído no lirismo
ao encarar a vida.
Sorve tuas palavras,
prevalece teu dom:
aquele que ousa ressuscitar a flor
quando despetalada pelos campos.
Mostra ao mundo do que és capaz.
Chora tua dor em versos,
registra-a no papel em branco,
no branco que simboliza a paz.
Geme em rimas a dor maior
fincada na essência
de tua essência,
aquela que não mais quer sentir
e persiste em tua existência.
Desabotoa as aflições
que te sufocam,
lembra das estrelas
que se apagam
e voltam a brilhar
em galáxias distantes
trazendo o brilho mais brilhante.
Sorri ao te defrontar com o oceano.
Chora de emoção por cada gota ofegante.
Devolve ao mar tuas lágrimas salgadas
e resgata a alegria
arrebatada em um instante.
Faz, poeta,
o que a alma pede
e a razão acusa.
Canta alto tua poesia,
desperta tua musa
deixando a emoção
rasgar a flor de tua pele.
Tece a tua poesia,
poeta,
em busca da felicidade.
nov 14 2021
Vagando!
Sem planos,
investindo nos sonhos,
apostando na sorte
e na sensibilidade
que excita a pele
e aos devaneios impele.
Vou seguindo por aí,
buscando o que me abastece.
Sem rumo,
sem norte,
sem pensar no amanhã,
no mais tarde.
Vou levando meu barco
para o lado que me aprouver,
do jeito que me convier.
Destino de um bardo
enfrentando marés,
desafiando dilúvios
com bravura,
sem alarde.
A sofreguidão me invade
em noites de lua cheia
sob o luar que prateia.
No início das manhãs,
oferendas louçãs
trazem o silêncio sagrado:
momento tão esperado
para a alma de um menestrel
que louva,
enaltece,
faz prece,
olha para o céu
e agradece.
nov 02 2021
Não mais!
Não mais a inocência estampada,
tatuada no rosto,
no gosto,
nos traços,
nos passos da ingenuidade.
Tenra idade,
quando a verdade
feito um baluarte
sustentava a vida
chamada Felicidade.
Não mais a magia do encanto,
do surpreendente
rondando os cantos,
do inesperado sendo realizado,
da alegria em sorriso franco.
Não se escrevia:
via-se a poesia,
pintada em um cenário surreal,
interpretada pela euforia
de cada coração
onde a emoção brincava
além das fronteiras
ultrapassando o ápice da abstração.
Não, agora não mais assim.
Nada acabou,
tudo se transformou.
A ingenuidade virou maturidade,
a inocência chegou ao fim.
Felicidade se reduziu a momentos
poucos,
parcos,
finitos enfim.
A vida mostra uma outra face,
cara lavada,
sem disfarces.
O mundo ficou pesado,
profundo,
o sorriso não sai espontâneo,
o encanto gera desencanto,
mas ainda resta a poesia.
Nada ou ninguém irá roubá-la.
Ela traz a primavera todo dia,
bailando no ar.
Vibra a emoção adormecida
permeando sonhos
que persistem,
refletidos nas flores,
nas cores,
nos amores que ainda existem,
vivos em lembranças
que, hoje,
se chamam Saudade.
out 28 2021
Sem Poesia!
Senhor, perdoa-me o despautério.
Devolvo-te a inspiração.
Sinto cometer um adultério,
traindo a voz do coração.
Meus versos perderam a alegria,
caminham sisudos pela poesia.
Meus lábios não dizem o que sinto,
contradizem minhas palavras,
meu olhar.
Tento enaltecer o amor
que, de tão raro, se codificou.
Quero descrever o belo
que perdeu o viço
e se esfacelou.
Perdi-me no compasso,
tropecei nas rimas,
fugi de meu estilo
buscando o que me anima
e, a cada passo,
um descompasso me abomina
e o poema segue falso,
sem autoestima.
Por isso, meu Senhor,
me encontro à deriva.
Para que inspiração
se falta emoção?
Para que a poesia
se já não há fantasia?
Não sei se me perdi
ou me perdeu a vida.
out 04 2021
Mundo!
Lá fora me chama o tempo
e, incansável,
meu nome proclama
ecoando nas marolas do vento,
ora brando,
ora turbulento.
Aqui dentro,
mundo imaginário,
eu me retranco.
Burlo as leis do calendário,
horas,
dias,
meses
e anos
e deixo o tempo ir,
sem resposta,
sem realizar o que mais gosta.
Retiro as travas da alma,
libero o que me acalma:
emoções sinceras e retidas
que, em catarse,
se manifestam
contra as opressões da vida.
Abro uma janela no peito,
meio que sem jeito,
exangue,
e a luz,
antes como um bumerangue,
penetra agora interior adentro,
reacendendo minha existência,
meu pensamento,
minha essência.
Revela o amor adormecido
na invisibilidade da abstração,
entre as metáforas,
escondido,
nos textos mudos
e não ditos,
nas entrelinhas da composição.
Ah, tempo,
passe a contento,
não mais importa
que me chame o vento,
pois no mundo em que me adentro,
a poesia rompe
ao romper o dia,
o amor é amor de fato,
é nato
e a fantasia se tornou real.
out 04 2021
Arte!
Arte
Caminho
o percurso de sempre.
Percorro o que não condiz com minha mente.
Um desassossego invade meu ser,
arrasta-me para ver o que ali não existe.
Sussurra-me aos ouvidos: ouça!
Paro,
mas a inquietude persiste.
A melodia insiste em ressoar
a trilha sonora que me persuade.
Uma força misteriosa me invade.
Rendo-me.
Deixo-me levar por ondas magnéticas
até onde o sonho permite.
E ele jamais impõe limite.
Minh’alma deixa aquele lugar.
Lá estou e não estou.
Sem impasse, encaro o desafio.
Reconheço-me na arte,
no que me impactou,
em toda a beleza que se esconde
na pura expressão de amor:
força movedora a segurar o tempo.
Arrebatada pelo mistério de sua magnitude,
vejo toda a plenitude de seu esplendor
e ainda me sinto faminta de vida interior.
Comparo.
Arte está imbuída na mística da fé.
Ambas ocupam o mesmo patamar.
Movem,
comovem,
removem.
E de lá volto ao mesmo lugar
onde me deixei levar,
meu cais,
com a grata sensação
de ter conhecido a paz.
out 02 2021
Espera!
Quando tu não vens,
meus olhos se perdem
no escuro.
Meus pés
não tocam o chão.
Flutuo
entre densas nuvens:
te procuro em vão.
Como olhar as estrelas,
se elas se escondem
no teu olhar?
Sinto-me tão só.
A lua não aparece.
E, de manhã,
nem sei mais
onde nasce o sol.
Quando não vens,
meus braços ficam vazios,
faz frio
no meu coração.
Minh’alma
fica em silêncio,
emudece em solidão:
não escuto mais
aquela canção.
Pensas
que em algum momento
tua flor te esquece?
Ela arrefece
sem teus passos
no jardim.
É assim:
tua flor de jasmim
renasce
apenas quando tu vens.
Miriam Portela
out 02 2021
Fábula!
Entediante é a vida
nua,
concreta,
vivida.
E eu já não cria
na existência de laços,
espaços,
anjos,
fantasia.
Sem compartimentos
para armazenar alegria,
passei a arrastar-me
na brancura dos dias.
Eis que sem entendimento,
à minha revelia,
fui levada a mundos
tão diversamente leves
onde o viver me aprazia.
Miriam Portela
out 02 2021
Saciedade!
A saciedade
mais a fome
trouxe-me
a fartura,
e lembrou-me o jejum.
Veios se abriram,
sangrando.
Uma sede inesgotável
nasceu.
Ausências me povoaram
e um medo antigo
ocupou-me.
A saciedade me penetrou
com seus vazios,
encharcando-me
de esperas.
Miriam Portela