Chegada!

Chegaste
em um dia qualquer
de uma certa estação.
Sem aviso,
sequer,
nenhuma empolgação,
como quem chega sem querer,
dissimulando o querer ficar.
Como um bem maior,
um privilégio,
presença indispensável,
sortilégio,
burlando o fuso horário,
mudando o calendário,
o itinerário,
a hora,
o fadário,
senhor absoluto do tempo.
Chegaste.
Surpreendendo a manhã
ao entregar o cetro
para a tarde,
revelando sombras,
em vertical,
de pessoas vagando
sob o sol:
rito costumeiro e pontual
anunciando o meio-dia,
do dia em que escolheste
para chegar.
Entremeio de manhã e tarde,
das entrelinhas para o baluarte,
da surdina ao gesto de alarde,
na expectativa de espreitar a beleza,
roubar tons em gradação,
cores em formação
no momento exato do impacto
causado pelo sol tingindo o céu
e logo se perder no horizonte.
Foste.
Junto com as cores do arrebol
morrer, também, atrás dos montes,
renascer,
talvez,
um novo sol
a irromper no amanhã
com a manhã de cada dia.

A Dor do Poeta!

Arranca, poeta,
a dor dentro do peito,
lembra-te de que,
para tudo,
há um jeito
imbuído no lirismo
ao encarar a vida.
Sorve tuas palavras,
prevalece teu dom:
aquele que ousa ressuscitar a flor
quando despetalada pelos campos.
Mostra ao mundo do que és capaz.
Chora tua dor em versos,
registra-a no papel em branco,
no branco que simboliza a paz.
Geme em rimas a dor maior
fincada na essência
de tua essência,
aquela que não mais quer sentir
e persiste em tua existência.
Desabotoa as aflições
que te sufocam,
lembra das estrelas
que se apagam
e voltam a brilhar
em galáxias distantes
trazendo o brilho mais brilhante.
Sorri ao te defrontar com o oceano.
Chora de emoção por cada gota ofegante.
Devolve ao mar tuas lágrimas salgadas
e resgata a alegria
arrebatada em um instante.
Faz, poeta,
o que a alma pede
e a razão acusa.
Canta alto tua poesia,
desperta tua musa
deixando a emoção
rasgar a flor de tua pele.
Tece a tua poesia,
poeta,
em busca da felicidade.

Vagando!

Sem planos,
investindo nos sonhos,
apostando na sorte
e na sensibilidade
que excita a pele
e aos devaneios impele.
Vou seguindo por aí,
buscando o que me abastece.
Sem rumo,
sem norte,
sem pensar no amanhã,
no mais tarde.
Vou levando meu barco
para o lado que me aprouver,
do jeito que me convier.
Destino de um bardo
enfrentando marés,
desafiando dilúvios
com bravura,
sem alarde.
A sofreguidão me invade
em noites de lua cheia
sob o luar que prateia.
No início das manhãs,
oferendas louçãs
trazem o silêncio sagrado:
momento tão esperado
para a alma de um menestrel
que louva,
enaltece,
faz prece,
olha para o céu
e agradece.

Não mais!

Não mais a inocência estampada,
tatuada no rosto,
no gosto,
nos traços,
nos passos da ingenuidade.
Tenra idade,
quando a verdade
feito um baluarte
sustentava a vida
chamada Felicidade.
Não mais a magia do encanto,
do surpreendente
rondando os cantos,
do inesperado sendo realizado,
da alegria em sorriso franco.
Não se escrevia:
via-se a poesia,
pintada em um cenário surreal,
interpretada pela euforia
de cada coração
onde a emoção brincava
além das fronteiras
ultrapassando o ápice da abstração.
Não, agora não mais assim.
Nada acabou,
tudo se transformou.
A ingenuidade virou maturidade,
a inocência chegou ao fim.
Felicidade se reduziu a momentos
poucos,
parcos,
finitos enfim.
A vida mostra uma outra face,
cara lavada,
sem disfarces.
O mundo ficou pesado,
profundo,
o sorriso não sai espontâneo,
o encanto gera desencanto,
mas ainda resta a poesia.
Nada ou ninguém irá roubá-la.
Ela traz a primavera todo dia,
bailando no ar.
Vibra a emoção adormecida
permeando sonhos
que persistem,
refletidos nas flores,
nas cores,
nos amores que ainda existem,
vivos em lembranças
que, hoje,
se chamam Saudade.

Sem Poesia!

Senhor, perdoa-me o despautério.
Devolvo-te a inspiração.
Sinto cometer um adultério,
traindo a voz do coração.
Meus versos perderam a alegria,
caminham sisudos pela poesia.
Meus lábios não dizem o que sinto,
contradizem minhas palavras,
meu olhar.
Tento enaltecer o amor
que, de tão raro, se codificou.
Quero descrever o belo
que perdeu o viço
e se esfacelou.
Perdi-me no compasso,
tropecei nas rimas,
fugi de meu estilo
buscando o que me anima
e, a cada passo,
um descompasso me abomina
e o poema segue falso,
sem autoestima.
Por isso, meu Senhor,
me encontro à deriva.
Para que inspiração
se falta emoção?
Para que a poesia
se já não há fantasia?
Não sei se me perdi
ou me perdeu a vida.

Mundo!

Lá fora me chama o tempo
e, incansável,
meu nome proclama
ecoando nas marolas do vento,
ora brando,
ora turbulento.
Aqui dentro,
mundo imaginário,
eu me retranco.
Burlo as leis do calendário,
horas,
dias,
meses
e anos
e deixo o tempo ir,
sem resposta,
sem realizar o que mais gosta.
Retiro as travas da alma,
libero o que me acalma:
emoções sinceras e retidas
que, em catarse,
se manifestam
contra as opressões da vida.
Abro uma janela no peito,
meio que sem jeito,
exangue,
e a luz,
antes como um bumerangue,
penetra agora interior adentro,
reacendendo minha existência,
meu pensamento,
minha essência.
Revela o amor adormecido
na invisibilidade da abstração,
entre as metáforas,
escondido,
nos textos mudos
e não ditos,
nas entrelinhas da composição.
Ah, tempo,
passe a contento,
não mais importa
que me chame o vento,
pois no mundo em que me adentro,
a poesia rompe
ao romper o dia,
o amor é amor de fato,
é nato
e a fantasia se tornou real.

Arte!

Arte

Caminho
o percurso de sempre.
Percorro o que não condiz com minha mente.
Um desassossego invade meu ser,
arrasta-me para ver o que ali não existe.
Sussurra-me aos ouvidos: ouça!
Paro,
mas a inquietude persiste.
A melodia insiste em ressoar
a trilha sonora que me persuade.
Uma força misteriosa me invade.
Rendo-me.
Deixo-me levar por ondas magnéticas
até onde o sonho permite.
E ele jamais impõe limite.
Minh’alma deixa aquele lugar.
Lá estou e não estou.
Sem impasse, encaro o desafio.
Reconheço-me na arte,
no que me impactou,
em toda a beleza que se esconde
na pura expressão de amor:
força movedora a segurar o tempo.
Arrebatada pelo mistério de sua magnitude,
vejo toda a plenitude de seu esplendor
e ainda me sinto faminta de vida interior.
Comparo.
Arte está imbuída na mística da fé.
Ambas ocupam o mesmo patamar.
Movem,
comovem,
removem.
E de lá volto ao mesmo lugar
onde me deixei levar,
meu cais,
com a grata sensação
de ter conhecido a paz.

Espera!

Quando tu não vens,
meus olhos se perdem
no escuro.
Meus pés
não tocam o chão.
Flutuo
entre densas nuvens:
te procuro em vão.
Como olhar as estrelas,
se elas se escondem
no teu olhar?
Sinto-me tão só.
A lua não aparece.
E, de manhã,
nem sei mais
onde nasce o sol.
Quando não vens,
meus braços ficam vazios,
faz frio
no meu coração.
Minh’alma
fica em silêncio,
emudece em solidão:
não escuto mais
aquela canção.
Pensas
que em algum momento
tua flor te esquece?
Ela arrefece
sem teus passos
no jardim.
É assim:
tua flor de jasmim
renasce
apenas quando tu vens.

Miriam Portela

Fábula!

Entediante é a vida
nua,
concreta,
vivida.
E eu já não cria
na existência de laços,
espaços,
anjos,
fantasia.
Sem compartimentos
para armazenar alegria,
passei a arrastar-me
na brancura dos dias.
Eis que sem entendimento,
à minha revelia,
fui levada a mundos
tão diversamente leves
onde o viver me aprazia.

Miriam Portela

Saciedade!

A saciedade
mais a fome
trouxe-me
a fartura,
e lembrou-me o jejum.
Veios se abriram,
sangrando.
Uma sede inesgotável
nasceu.
Ausências me povoaram
e um medo antigo
ocupou-me.
A saciedade me penetrou
com seus vazios,
encharcando-me
de esperas.

Miriam Portela

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