Somos!

Invade a minha vida,
preenche o meu contexto,
poetiza-me em tua alegria,
protagoniza o meu texto.
Colore a minha paisagem,
reacende luzes apagadas,
sejas o sol de todo dia,
incandesce minhas madrugadas.
Floresce meu canteiro triste,
vibra o ardor que em mim existe,
ruboriza o tom vermelho,
refletindo teu corpo em meu espelho.
Ama-me de todas as formas
em cada instante,
o tempo inteiro.
Sou tua vontade,
tua fome,
tua metade.
Somos recomeços
dos amores verdadeiros.

Enamorada!

Quero entardecer contigo
ser o teu abrigo,
o final da tarde,
o teu arrebol,
onde cores descoradas,
fracas,
embaçadas
tornam-se caiadas
sem a luz do sol.
E, na linha do horizonte,
onde o céu se funde
com a terra ou o mar,
pendurar todos os versos
que a própria vida
vem nos ofertar:
eterna enamorada!

Coração Desajuizado!

Meu coração atrevido
desconhece as leis da vida,
a gravidade que nos alicerça
nessa incrível viagem:
voar,
levitar,
pousar,
mudar de patamar.
Por mais que tenha vivido
nunca se vê abatido,
ainda impulsiona o ir
embora o físico,
sem ar,
queira ficar.
Não sabe que o tempo passa
e a pulsação descompassa,
enrosca-se nas entranhas
das ousadias,
nas retrancas
das finitudes de sonhos
e utopias.
E o coração insiste,
jamais desiste.
Atém-se ao que prevalece,
ao que regozija
e entorpece,
certo de que assim não envelhece.
Quer pulsar,
explorar,
conquistar.
Rende-se à tentação turbulenta,
à sedução das paixões fraudulentas
que avassalam e se vão,
mas sempre deixam lição.
Capta qualquer emoção.
Acelera o ritmo,
sem noção.
Encanta-se com quase nada:
a brisa que passa,
um sonho de valsa,
um beijo,
uma flor.
Vive o que o conforta,
o que lhe importa.
Coração desconhece razão
por ser tão limitada.
Rígida na partida,
precisa na chegada.
Vai, coração,
embarque na fantasia,
viva o que o extasia.
Vai onde hoje não posso ir.

Sem rédeas!

Solto as rédeas.
Deixo o pensamento
comandar o momento.
O importante é me entregar,
decolar desse porto sem cais,
abandonar o navio,
o vazio,
caóticas e insolúveis situações.
Ir onde ele bem me levar
sem temer o que virá,
o que verei,
o que será.
Roletar direções,
represar previsões
que erram a todo instante,
incorrendo em tempestades
as imprevisões diárias.
Por ora,
viajo com meu pensamento
liberando endorfina:
combustível para meu pensar;
oxigênio para meus neurônios,
sem saber onde vai dar.
Circundando a rosa dos ventos
tatuada no tempo,
em sonhos e irrealizações,
disperso poemas,
sentimentos guardados,
chorados,
calados,
inerentes aos temas
que já não estão sobre as mesas.
Um pouco acima do chão
deixo um vão
entre o abstrato e o concreto.
Talvez uma passagem
para algum amor secreto:
um decreto publicado em poesia
em pleno trajeto.
Voo com meu pensamento
até onde possa voar.
Com ele tenho alento,
paciência para me adaptar.
E volto resiliência,
apta a continuar.

Rupturas!

De repente, a expulsão.
Rompe-se o cordão,
o calor daquele abrigo.
A união umbilical
rompida pela contração.
O frio,
o desconforto,
o susto que faz chorar,
o ter que encarar
a separação.
O mundo.
De repente,
cerra-se a cortina,
muda-se o cenário,
embaçam-se as luzes,
tremula a ribalta
de um palco improvisado:
perguntas impertinentes,
respostas não condizentes,
personagens alternadas,
história remexida,
show irreverente.
A vida.
E as rupturas se vinculam.
Começo de caminhada,
o papel,
as linhas tortas,
o branco sendo tingido,
o sentido das palavras,
o destino a se cumprir,
o tempo a exigir.
O tempo.
Fase da colheita.
Colher o que se plantou.
O cultivado, permanece.
O resto, esmorece.
Bem que se pudesse
o tempo pararia.
Uma nova chance.
Começar o novo.
Não, de novo.
Carpe Diem.
Vem o cansaço,
o descompasso,
o desejo de parar
e a vontade de chorar
as partidas,
despedidas,
amigos,
entes queridos,
sonhos não vividos
truncados pelos caminhos.
A realidade.
Saudade.
Às vezes,
a felicidade.
Momentânea,
raridade.
De soslaio ela invade
e se vai sem alarde.
Reta de chegada.
Fim da caminhada.
Início de outra jornada?
Atrela-se a ruptura.
A última,
derradeira:
ou seria a primeira?
Maktub.

Teu Silêncio!

Olho-te bem devagar.
Há sempre uma verdade
a ser descoberta,
uma porta fechada,
uma janela entreaberta,
uma luz apagada,
um brilho varando pela fresta.
É preciso desvendar detalhes,
tocar teus limites,
trocar nossos olhares,
concedermo-nos nos ver
e, até onde me permites,
conhecer o que omites,
o que não deixas transparecer,
tatear o que me escondes,
desabotoar tuas pausas,
compreender tuas causas,
aceitar-te como és.
E no silêncio da resposta
que me percorre e corrói
mergulhar em tua fala
gritante,
berrante,
calada,
que dói
mas que ama!

Apelo!

Venha!
Venha mais cedo!
Venha olhar-me nos olhos
antes que fujam,
envergonhados,
por alguns fragmentos
de desejos ousados.
Venha!
Tenho para você
a essência que invade a penumbra.
Tenho o aroma
dos seus lençóis preferidos.
Os mesmos
que recendem o infinito
e reacendem intensidades.
Sei de você
antes que se apresente.
Apenas sei.
Então, venha!
Venha sorrir comigo
sem saber a razão.
Traga-me os seus toques,
seus traços únicos.
Cruze a linha invisível
e torna-me,
sem recear,
eternidade sua.

Maria Luiza Faria

Via Crucis!

E, então, decidi
despojar-me de todos pecados,
ser meu próprio Pôncio Pilatos,
ter meu corpo crucificado.
Não para salvar a humanidade:
não me crivaria de tamanha dor.
Cristo foi mais sonhador.
Não, foi mesmo autopiedade,
da alma,
em busca de serenidade.
Caminhei com a cruz
a que me impus.
Não caí somente três vezes.
Foram muitas!
Já havia tombado tanto,
pelo peso de meu pranto,
por minha consciência pesada
em não ouvir a voz da razão,
nem mesmo a do coração.
E, agora, Via Crucis,
levo-me à condenação.
Fui Verônica.
Cantei o meu desencanto,
limpei sangue de meu âmago,
deixei registrado no pano
o meu triste desengano.
A Madalena arrependida,
pelo homem incompreendida,
agora cheia de dores e acatos.
Vítima dos desacatos.
Tentei levantar-me,
ser o meu Cirineu,
reacender a chama
que um dia morreu.
Momento sublime.
Maria, mãe que redime.
Um encontro,
um olhar,
nem foi preciso falar.
A única expressão:
a de nosso coração!
Sedenta de amor,
bebi o seu mel,
desnudei minha alma,
arranquei-lhe o véu
e chorei.
Implorei.
Ajoelhei-me
e, finalmente,
enxerguei uma luz
semiapagada,
de um sol eclipsado
recomeçando a acender.

Crença!

Creio em ti!
Antecipa-me o céu.
Bem de leve,
sem escarcéu,
clareia-me a escuridão.
Mar de atrocidades,
turbilhão,
onde a hipocrisia se cria
gerando só falsidades
e a poesia se esconde
em meio à desarmonia.
Anseio a paz que há em ti,
reviver o que já cri.
Abre-me portas,
janelas,
incita meu voo livre,
ampara-me em tuas asas
que de junto de mim convive.
Preciso do ar que exalas.
Ouvir de teu coração
a melodia que espalha
ressuscitando emoção.
Devolve-me a paixão esquecida,
me faz forte,
guarida.
Põe-me diante do novo,
de novo,
diante da vida.
Estanca a minha ferida,
sopra de mim essa dor,
livra-me de qualquer rancor,
devolve a fé que perdi.
Só tu podes.
Creio em ti,
pois és o amor!

A poesia virá!

E a poesia virá
nascida de todo lugar:
livre,
plena,
pura,
apesar do breu da noite
que traça mistérios no ar
ocultando a lua insinuante que,
através de uma nuvem entreaberta,
revela um brilho de sedução,
provocando um fascínio ofegante
que prontamente despertará.
E a poesia virá,
quando ao abrir os olhos
vir a noite virar dia
colhendo toda a alegria
da manhã que sugere renascer
encobrindo a nostalgia
de um sol que se faz poente
e languidamente
desmaia no horizonte
após a tarde,
a despedida,
e calmamente se vai.
E a poesia virá
quando a esperança ficar.
Ainda que a dor atormente,
o mundo tornar-se descrente,
o sofrimento teimar em arder
queimando o cerne da gente,
a alma só ganhos terá
lapidada pelo ourives do tempo
trazendo a certeza de que passará.
E a poesia virá,
simplesmente,
sem palavras,
brandamente,
com o silêncio que se fará,
traduzido pelo encantamento
dos versos que o poeta interpretar,
enlevado pela emoção
de quem fala sem falar.

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