Insana!

E ela renasce a cada fase da lua:
rouba-lhe o brilho
e lhe ofusca o luar,
percorre as estrelas seu insano olhar
e penetra o negro véu,
indo além do céu.
De seus lábios
um balbucio visceral
profetiza um tempo que jamais haverá igual.
De repente,
dança em estranho ritual
e a cada passo avança,
imaginando-se normal,
tomando para si cada pedaço do espaço
sem se importar com a plateia atônita,
que, aos poucos, se esvai,
se descompassa pelos cantos
a amaldiçoar a figura lacônica.
Gira em torno de si toda sensação
como em movimento de rotação.
Pensa em trazer os dias e as noites,
transladando cada estação.
Sinistra,
caminha com a lua
que some no céu
e ela na rua,
e, como miragem,
perde-se a imagem.
Deixa o cenário de ilusões e desenganos:
leva consigo a magia e o encanto.

Despedida!

Tempo de ir se despedindo da vida,
aos poucos,
sem pressa nem letargia,
gerúndio a divagar em qualquer tempo
colhendo a safra mais esperada,
saboreando o fruto doce e oriundo
de muitos outonos belos e profundos
lacrados na memória,
na história
perpetuada de essências vibratórias,
construída à duras penas
ou em situações amenas,
em que suor e brisa compõem o aprendizado
em um morde e assopra,
ri e chora,
sonho que vai e vem
em um campo que aflora e deflora.
Tempo de diminuir a marcha,
apreciar cada detalhe que passa
pela visão de quem olha e vê,
sente e pressente
o vaivém do tempo que só vai,
não vem.
Tempo de respirar aliviada pelo que fez,
ou lamentar o que não pôde
e se desfez.
Caminhar devagar em uma entrega absoluta,
sem luta,
em um passeio que se permitiu ganhar,
na malemolência,
quebrando o ritmo do dia,
o compasso dominado pelas horas
onde cada minuto é um tempo a cumprir,
onde é punido o segundo que escapulir.
A canção,
trilha sonora,
toca suavemente lá fora
a melodia que irradia
relatos de sua história.

Caminhos!

Piso caminhos intransitáveis,
em chãos impalpáveis
entre paisagens jamais tocadas
ou maculadas pela vil exploração,
domínio de reles conquistas,
vítimas de cruel exacerbação.
Onde ninguém se atreveu
sem pesar o que perdeu,
ou se perdeu.
Abraço o desafio da entrega,
desbravo a terra,
saúdo o alvorecer,
bendigo as flores,
os amores,
o entardecer,
os espinhos a sangrar lições.
Sigo a canção nascida do acaso,
a luz que clareia,
da imaginação.
O que minh’alma carrega
é o que rega o estio que aterra,
oração para que a chuva ague
o mar ressequido da aflição,
e as viravoltas de girassóis dourados,
nos canteiros e jardins de adoração.
Quero mais lágrimas nos olhos,
chorar o estio até a sede acabar.
Percorro estradas de folhas desabadas
e outras verde-limão,
pedras amontoadas,
tapetes de algodão,
belezas a se perder com toda a razão de ser.
Levo a vontade de ir,
sem partir,
sem adeus
ou despedida,
do jeito que o sonho pedir.

Tempos Conturbados!

Nesse tempo de rapidez tamanha,
de não mais saber onde mora o longe,
da tecnologia que nosso ar respira
e o pensar expira,
pois a tudo ela responde.
Da compulsão de olhar para uma tela fria
causando estragos,
mentes doentias,
largando um mundo inteiro para lá,
juntando distâncias que se percorria
com a emoção de se querer chegar,
de se encontrar,
trocar carinhos,
sentindo o toque real de tal magia.
Perco-me em pensamentos
em um vaivém de dias desencontrados.
O ano quase se foi,
os meses não querem ficar,
os dias apressados
estão todos agendados.
O amanhã já é ontem,
o ontem virou saudade,
o hoje está cansado,
chegou bem atrasado.
Despeço-me dos ricos detalhes.
Merecem pausa para os apreciar.
Despeço-me da fantasia,
o tempo é curto pra se divagar.
A noite vem chegando,
o dia vai raiar:
não dá mais para sonhar.

Manhã!

Amanhece.
Entrego-me aos braços da manhã
confiante na luz a me banhar clarão.
Aninho-me em seu colo.
Decolo.
Alma desprendida alcança o céu
e o traz para dentro de mim,
o faz fazer parte de mim,
liturgia ungida de sacramentos.
Portas abertas,
meu corpo é templo
a contemplar a letargia do momento sacro,
na fé que em meu corpo guardo,
ainda que todas as mazelas do tempo
destoem a oração do dia,
a homilia,
surdas aos cânticos melodiosos da manhã,
a brisa que sopra a ternura do amor,
manto divino
onde abrigo meu interior.
Regressa.
Com suavidade,
sem pressa.
Sua luz não escurece.
Perpetua-se em cada coração.
Resplandece em cada oração,
na esperança que o dia oferece
e na manhã que nasce feito prece.

Madrugada!

Sou mais a madrugada arredia,
que não é noite nem é dia.
É orvalho e alvorada,
oração intercalada
no silêncio que prenuncia
o novo que virá.
Sou a madrugada interposta,
mediando o morrer da lua
e o nascer do sol
a deixar no ar um ar de o que será?
O abandono,
onde todos vestem sonhos
na espera do novo que virá.
Sou a madrugada sem atalhos
onde livres brincam os pensamentos
e a magia tece em colcha de retalhos
palavras colhidas do momento
em versos que se trombam,
emoções que se encontram,
ritual da paz.
É manhã que chega.
Madrugada que jaz.

Contraversões!

Em qual versão me perdi?
Foram tantas que vivi,
expostas e inconvincentes.
Talvez em todas ou nenhuma.
Ou, quem sabe,
na tradução que imaginara
ser tal qual o meu perfil.
Porém, ele se modificara
de acordo com os traslados dos dias
a interferirem na alma,
seguindo a revolução decorrente dos fatos
que lacram,
decepam,
descartam,
buscando entre boatos e mentiras
uma verdade sincera,
a qual me propusera,
julgando ser o caminho ideal.
Quimeras.
Foram tantas as versões!
Verdades se multiplicaram,
confundiram minhas (re)ações.
Insensatez.
Volto ao ponto inicial
e recomeço outra vez.

Divagações!

Vivo?
Resisto.
Já vivi antes dos vendavais,
sob brancas nuvens
clareando meus quintais.
Agora sobrevivo.
Após a devastação de sentimentos e raízes
plantados dentro de mim,
do extermínio de flores e matizes,
essências a compor meu ar,
agora rarefeito,
fincando marcas indeléveis
do mau tempo em meu peito.
Hoje simplesmente existo.
Ou inexisto?

Eclipse Humano!

O sol espia,
provoca,
inunda,
fecunda,
evoca,
alcança lá,
acolá,
menos o aqui.
Não há como alcançar:
nem mesmo um raio
consegue vir até cá.
O girassol se mostra,
aposta
na manhã,
no dia que será.
Sob comandos solares,
põe à prova
sua liberdade
e se prostra nos lugares
a girar.
Coração carente,
irreverente,
não vibra.
Triste,
se equilibra,
resiste,
faz sombra
e a luz desiste de entrar.
O sol lampeja
raios de vitória,
sorri por se alastrar,
coroa-se de aurora:
cores dançam em desagravo
ao eclipse humano,
ao inconsequente
ato desumano.

Tempo!

E a vida devagar
tolhe devaneios parcos,
poucos,
sonhos enroscados,
perdidos,
afoitos,
famintos de querer ficar.
Ocultos em oposição ao vento
pedem por socorro
clamam abraços de um poeta louco
a não se dar conta
de que o tempo é pouco
para investir tanta emoção
e se emaranha nesse espaço roto,
por contradição,
nessa trajetória breve
que descreve
um caminho torto
onde o espinho arde
e a flor já não mais dá.
Mas se o motivo é arte,
há que se cumprir a sina
da poesia que invade.
Ainda que o sol se (o)ponha
e na última esquina,
de qualquer rua,
aponte nua –
em inusitada quinta fase –
a lua.

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