Sem Poesia!

Quando acabar a emoção,
preponderar a razão,
traçarei a minha trilha.
Nenhum envolvimento
que arrebate,
nem a luz que da estrela brilha,
nem tudo que se interpõe,
de repente,
no caminho,
e nos propõe um embate,
pressionando-me a indagar:
fico ou me deixo levar?
Nada me fará parar!
Quando não houver mais emoção
e puder contar com a razão
recomeçarei a vida.
Direi não ao coração,
às armadilhas sutis,
artimanhas febris
forjadas pelo destino.
Às oferendas do mundo,
às cores,
dores,
flores,
amores.
Seguirei em frente,
usarei o tino
ilesa a sentimentos profundos.
Mas como projetar os sonhos?
Sem alvoreceres,
como sonhar?
Desprezar entardeceres do outono?
Sem arrebóis volveriam os girassóis?
Os amanheceres,
a chance de recomeçar?
Pode o poeta viver sem oferendas,
belezas que trazem o dia,
as dores,
os amores,
as flores,
os sentimentos?
Seria negar a todo momento
o dom divino de poetizar.
Morrer a cada dia,
sufocar o que precisa extravasar.
Trancar para si a poesia
e omisso,
se calar.
Deixar à deriva os versos,
a rima sozinha a bailar.
Matar o que alivia,
se suicidar!

Transformação!

Retira o cinza da vida,
pinta-a com a leveza das cores:
suaves,
amáveis,
amenas,
penetráveis à alma, apenas,
à espera do facho de luz
que conduz,
estimula à calma
e induz ao encontro da paz.
Enxuga o pranto salgado
molhando o rosto cansado.
Mostra que sabes sorrir.
Inventa motivos.
Eles hão de vir
enterrar os já saturados,
os novos serão festejados
com bailados,
flores e cores
em qualquer jardim.
Faz isso por ti,
por nós,
por mim.
Dança com o por do sol,
vibra a estrela cadente
riscando teu âmago ardente.
Lixa a aspereza do corpo,
mergulha-o em águas fluentes
onde haja rosas,
ninfas e duendes.
Desequilibra o lúcido,
o insano.
Pende para a loucura,
por instantes,
intervalo para a inspiração,
suporte para a transformação.

Percalços!

Agora que já fomos tão longe,
enfrentamos temporais, sufocamos nossos ais,
amparamo-nos,
um ao outro,
nas derrocadas.
Choramos,
dançamos,
demos gargalhadas,
brigamos como todo casal normal.
Amamo-nos
e feito cúmplices,
em segredo,
guardamos em silêncio nossos momentos.
Inesquecíveis momentos.
Os mesmos que agora jogas para o ar
esperando que o vento os venham dissipar.
Agora que já fomos tão longe
pedes, irredutivelmente, para eu voltar.
Voltar pra onde?
Esqueci o caminho.
Tua caminhada foi meu pergaminho,
andei teus passos
sem olhar para trás,
cegamente obedeci aos teus comandos,
pensando, um dia,
encontrar a paz.
Mas, teimas prosseguir sozinho,
de meus carinhos
que hoje se desfaz.
São as intempéries do destino,
dragão demolidor de sonhos,
que faz do tempo
um momento breve
onde a volta não se cogita jamais
e o percurso se resume em ida
nesse curto espaço que se chama Vida.

Espelho!

Que espere a emoção!
Dê-me um tempo a inspiração.
Rasa de sensibilidade,
encontro-me com a verdade
de cara lavada
sem máscara ou vaidade
frente ao espelho.
Quem sou?
Ele nunca revela.
O lado que mostra
é o que me prostra
e o que todos veem.
Retrato mal formulado,
moldura sem essência:
minha passiva armadura,
defesa de meu ponto fraco.
Meu exterior de agruras
que tento esconder.
A fragilidade oculta
não deixa transparecer.
Minh’alma não espelha
e preciso saber
o que ela quer de mim.
Como mostrar-me nua,
se a nitidez ofusca
e é o que quero transparecer?
Encobre as perfeições
mantidas bem guardadas,
veladas,
consagradas,
para os tempos de expiação.
Reflete as evidências,
o óbvio,
as certezas.
Esconde o coração.

Busca!

Busco o sonho guardado
em uma esquina qualquer do tempo.
Com um sopro,
o faço reviver,
após anos de cárcere privado,
vindo agora me surpreender,
realizando o desejo mais esperado.
Traz o hoje,
presente embalado
pela essência do inesperado:
a certeza do que se pode viver,
descartando desperdícios
de instantes fracionados
e contados,
mofados pelo ócio de se perder,
apostando no amanhã
que pode não acontecer.

Sem direção!

Aponta-me um caminho:
de pedras,
de flores,
de espinhos.
Mostra-me a direção,
uma pista,
um traço,
um vão.
Devolve-me ao ninho,
devastado pelas incertezas
das convicções embusteiras,
armadilhas traiçoeiras
plantadas para depredar
o espaço onde piso os pés
andando ao revés
sem nunca chegar.
Ilumina a escuridão da sombra
que anoitece meu itinerário:
quero ver a luz brilhante
acender o pavio da vela
e toda sacrossanta fé
incandescer o santuário,
revelando,
em um instante,
o final de tanta espera.
Indica um ponto sequer,
um sinal,
qualquer hora,
uma rua,
um porto,
um cais,
um talvez,
um agora,
um lugar onde possa chegar,
uma estrela que me guie
já que a manhã não vem mais
e preciso continuar.
Mas, mostra-me!

Coragem!

Faz acontecer,
vibra diante da vida lá fora,
encoraja-te,
vai embora,
segue o ritmo das horas,
emociona-te a cada instante,
chora,
ri,
grita,
bebe um espumante,
celebra o release antecipado,
canta a reviravolta do momento,
pisa o reprise ultrapassado,
vive o novo enredo
sem revolta,
sem volta,
sem ai.
Simplesmente, vai.
Coragem!

Chegada!

Chegaste
em um dia qualquer
de uma certa estação.
Sem aviso,
sequer,
nenhuma empolgação,
como quem chega sem querer,
dissimulando o querer ficar.
Como um bem maior,
um privilégio,
presença indispensável,
sortilégio,
burlando o fuso horário,
mudando o calendário,
o itinerário,
a hora,
o fadário,
senhor absoluto do tempo.
Chegaste.
Surpreendendo a manhã
ao entregar o cetro
para a tarde,
revelando sombras,
em vertical,
de pessoas vagando
sob o sol:
rito costumeiro e pontual
anunciando o meio-dia,
do dia em que escolheste
para chegar.
Entremeio de manhã e tarde,
das entrelinhas para o baluarte,
da surdina ao gesto de alarde,
na expectativa de espreitar a beleza,
roubar tons em gradação,
cores em formação
no momento exato do impacto
causado pelo sol tingindo o céu
e logo se perder no horizonte.
Foste.
Junto com as cores do arrebol
morrer, também, atrás dos montes,
renascer,
talvez,
um novo sol
a irromper no amanhã
com a manhã de cada dia.

A Dor do Poeta!

Arranca, poeta,
a dor dentro do peito,
lembra-te de que,
para tudo,
há um jeito
imbuído no lirismo
ao encarar a vida.
Sorve tuas palavras,
prevalece teu dom:
aquele que ousa ressuscitar a flor
quando despetalada pelos campos.
Mostra ao mundo do que és capaz.
Chora tua dor em versos,
registra-a no papel em branco,
no branco que simboliza a paz.
Geme em rimas a dor maior
fincada na essência
de tua essência,
aquela que não mais quer sentir
e persiste em tua existência.
Desabotoa as aflições
que te sufocam,
lembra das estrelas
que se apagam
e voltam a brilhar
em galáxias distantes
trazendo o brilho mais brilhante.
Sorri ao te defrontar com o oceano.
Chora de emoção por cada gota ofegante.
Devolve ao mar tuas lágrimas salgadas
e resgata a alegria
arrebatada em um instante.
Faz, poeta,
o que a alma pede
e a razão acusa.
Canta alto tua poesia,
desperta tua musa
deixando a emoção
rasgar a flor de tua pele.
Tece a tua poesia,
poeta,
em busca da felicidade.

Vagando!

Sem planos,
investindo nos sonhos,
apostando na sorte
e na sensibilidade
que excita a pele
e aos devaneios impele.
Vou seguindo por aí,
buscando o que me abastece.
Sem rumo,
sem norte,
sem pensar no amanhã,
no mais tarde.
Vou levando meu barco
para o lado que me aprouver,
do jeito que me convier.
Destino de um bardo
enfrentando marés,
desafiando dilúvios
com bravura,
sem alarde.
A sofreguidão me invade
em noites de lua cheia
sob o luar que prateia.
No início das manhãs,
oferendas louçãs
trazem o silêncio sagrado:
momento tão esperado
para a alma de um menestrel
que louva,
enaltece,
faz prece,
olha para o céu
e agradece.

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