Palavras

Para que palavras
faladas ou registradas,
guardadas no pensamento,
se deturpam-lhes o significado,
matam-lhes a essência,
calam-nas na escalada
ensurdecidos ante a carência
de serem bem interpretadas,
se em tempo algum serão escutadas?
Para que palavras
se elas voltam sempre
cabisbaixas,
indiferentes,
ou nunca retornam,
levadas pela contundente ilusão
de uma palavra com lábia
e nem são interpretadas
do jeito que as descrevem o coração?
Para que palavras
se quase todas já foram usadas
em sonhos decadentes,
paixões desenfreadas,
amores já descrentes,
em mundos inconvincentes
e viram estátuas
sem anunciarem o que sentem?
Para que palavras
se quando delas preciso
se ausentam em um espaço conciso
deixando-me só,
eu e eu,
em um cerco onde me confino
com o vazio de se estar só
a confabular comigo mesmo
o desencantamento
de cada palavra que se perdeu?
Para que palavras,
se o silêncio se faz presente,
impetrado em sentimentos?

Silêncio

Olho-te bem devagar.
Há sempre uma verdade
a ser descoberta,
uma porta fechada,
uma janela entreaberta,
uma luz apagada,
um brilho varando a fresta.
É preciso desvendar detalhes,
tocar teus limites,
trocar nossos olhares,
concedermo-nos nos ver
e até onde me permites
conhecer o que omites,
o que não deixas transparecer.
Tatear o que me escondes,
desabotoar tuas pausas,
compreender tuas causas,
aceitar-te como és.
E no silêncio da resposta
que me percorre e corrói,
mergulhar em tua fala
que dói e silencia.

Sol

Sol que me ilumina a face
e me silencia a dor.
Sol que encanta os olhos
e dá vida a flor.
Sol que me faz voar
nas plumas dos seus raios.
Sol que pronuncia risonho
um poema de abraçar.
Sol que desperta a vida
no cantar dos pássaros,
no arrastar da brisa.
Sol que me traz a calma
abraça-me com sua luz
e dá-me paz à alma.

Procura

Onde buscar a sabedoria das palavras
quando o coração se recolhe em silêncio
e com sentimentos já tão desgastados,
veste-se de ansiedade e se cala.
Já não sou ontem
e o hoje se perde
em lacunas frias.
Já não busco sonhos,
apenas o ar.
O som que teima em atravessam as paredes
é presente.
O chão bruto sob os pés
é concreto.
O resto
são respingos esparsos
de um dia que passou
sem deixar marcas.

Trilhas

Trilhas de folhas caídas
pelo outono vencido,
acolhem meus pensamentos.
Olho todos os atalhos
sem as delícias de outrora,
e sigo a passos lentos.
Ilusões,
folhas caídas,
chances perdidas.
Apelo no tempo esquecido:
a lembrança andarilha
perde-se pelas trilhas
da saudade inevitável,
se diluindo em gotas pelo
caminho onde persigo sonhos
num outono que se finda.

Espera

Foram tantas vidas,
tantos sonhos
que criamos.
Tempo
que formamos esperas silenciosas.
Nos emudecemos,
deixamos tantos caminhos
intactos.
Sufocamos o mais real:
o amor,
a beleza pura e rara do sentimento,
pelo simples fato de não querermos
ser amados.

Pedaços

Parte de mim,
pedaço meu.
Você é assim:
o tu do meu eu.
E a cada dia,
sou mais tua.
Tu és minha poesia.
És o sol da minha lua
que ilumina a escuridão
quando nada mais existe.
Tu roubaste meu coração
e fez feliz minha vida triste.

Mensagem

Os livros na estante já não têm
mais tanta importância:
do muito que eu li
do pouco que sei
nada me resta
a não ser a vontade de te encontrar.
Motivo eu já nem sei
nem que seja só para estar ao seu lado
só para ler no seu rosto
uma mensagem de amor.
À noite, me deito
e então escuto a mensagem no ar
vagando entre os astros.
Nada me move
nem me faz parar
a não ser a vontade de te encontrar.
O motivo eu já nem sei
nem que seja só para estar ao seu lado
só para ler no seu rosto
uma mensagem de amor.

Solidão

Podia estar sozinha
ou ser só.
Podia ser multidão
ou somente companhia.
Seria o que quisesse.
Transformava sonhos,
coração.
Era do fogo,
mas se diluía como água.
Dona dos ares,
ventania.
Sabia pisar no chão:
tirava da terra sua emoção.
Pés descalços,
seu caminho era certo,
seu destino
ela o fazia.
Pouco a pouco,
com cuidado,
desconfiada,
atrevida,
tinha nela
ousadia.
Era fera
ou mulher;
felina ou menina,
ser encantado.
Dona de suas vontades,
não tinha limites,
não podia ser presa:
sua jaula era o mundo
que ela fazia.
Sua vida,
uma estrada;
seu alimento;
versos de poesia.

Pétalas

Solta-se da rosa a pétala
sedosa, ainda, e perfumada.
Dos aromas que partilhara naquele botão
tão macia que era
tão suave em seu cair
ato-lhe ao ar num olhar de suspensão
eternizo-o na memória de existir.

De cada vez que passo
junto ao vaso em que caíra
sinto a fragrância
toco-lhe a macieza perene
naquele gesto mágico e furtivo
de lhe ter em recordação
de lhe guardar onde persiste.

Hoje, paro e não resisto
em tocar o botão maquinal
deste relógio que atraso
cem séculos, mil anos de demora
tanto tempo a suceder
prendo-a nas nervuras do poema
perpetuo-a na memória de escrever!

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