Imagem

No corpo nu
e na pétala macia.
No sino da alvorada
e nas estradas de pedra.
No carro que roncava ao longe
e na camiseta que não secou.
Na marca de refrigerante
e no tênis ideológico.
Na tristeza sem fim
e no presente de natal.
No braseiro de São João
e no enfeite da roupa.
No cabelo trançado
e na viola sem corda.
No caminho por fazer
e no ipê amarelo.
Na lenha no mato
e nas assombrações de sempre.
No alfinete colorido
e num busto de alabastro.
No retalho de chita
e no lustre do salão.
No beijo de cinema
e no espinho no pé.
Na água da mina
e no quem sabe amanhã.
Na última cena
e no trem descarrilado.
Numa prece de desespero
e nos cavalos a galopar.
No sol escaldante
e na lembrança do fim.
Na coleção de selos
e na mala desfeita.
No refrão proibido
e na frase de caminhão.
Somente uma imagem:
seu rosto.

Distância

O que nos distancia
não é a distância em si,
mas a notória discrepância
das passagens transitórias
por caminhos que não devíamos seguir.
O que nos distancia
são poucos passos, enfim,
e um mundo de incompatibilidades
a truncar os trilhos da mesma direção.
Choque de opiniões,
dualidade da razão,
verdades que cada um segura em sua mão.
O que nos distancia
diz respeito à (in)sensibilidade.
Disparate na proporção dos sentimentos,
balança que pende incansavelmente
do lado onde a emoção se reporta
e o outro lado se eleva contendo vento.
O que nos distancia
é a falta de concordância
destoando a sintonia
que morre todo dia
aumentando a distância
nos recônditos de nós
enquanto reverberas luz imprópria,
fazendo a poesia calar a sua voz.
O que nos distancia são anos-luz,
antagônicos sinais a dirigir
a nau que pelo tempo nos conduz.
A incerteza de não saber onde ancorar,
a comodidade que nos rouba o desafio,
o encontro de almas desiguais.

Insana

E ela renasce a cada fase da lua
rouba-lhe o brilho
e lhe ofusca o luar.
Percorre as estrelas seu insano olhar
e penetra o negro véu,
indo além do céu.
De seus lábios,
um balbucio visceral
profetizando um tempo que jamais haverá igual.
De repente, dança em estranho ritual
e a cada passo avança,
imaginando-se normal,
tomando para si cada pedaço do espaço
sem se importar com a plateia atônita
que, aos poucos, se dispersa,
se descompassa pelos cantos
a amaldiçoar a figura lacônica.
Gira em torno de si toda sensação
como em movimento de rotação.
Pensa trazer os dias e as noites,
transladando cada estação.
Sinistra,
caminha com a lua
que some no céu
e ela na rua,
feito miragem,
deixa o cenário de ilusões e desenganos
levando consigo a magia do encanto.

Palavras

Para que palavras
faladas ou registradas,
guardadas no pensamento,
se deturpam-lhes o significado,
matam-lhes a essência,
calam-nas na escalada
ensurdecidos ante a carência
de serem bem interpretadas,
se em tempo algum serão escutadas?
Para que palavras
se elas voltam sempre
cabisbaixas,
indiferentes,
ou nunca retornam,
levadas pela contundente ilusão
de uma palavra com lábia
e nem são interpretadas
do jeito que as descrevem o coração?
Para que palavras
se quase todas já foram usadas
em sonhos decadentes,
paixões desenfreadas,
amores já descrentes,
em mundos inconvincentes
e viram estátuas
sem anunciarem o que sentem?
Para que palavras
se quando delas preciso
se ausentam em um espaço conciso
deixando-me só,
eu e eu,
em um cerco onde me confino
com o vazio de se estar só
a confabular comigo mesmo
o desencantamento
de cada palavra que se perdeu?
Para que palavras,
se o silêncio se faz presente,
impetrado em sentimentos?

Silêncio

Olho-te bem devagar.
Há sempre uma verdade
a ser descoberta,
uma porta fechada,
uma janela entreaberta,
uma luz apagada,
um brilho varando a fresta.
É preciso desvendar detalhes,
tocar teus limites,
trocar nossos olhares,
concedermo-nos nos ver
e até onde me permites
conhecer o que omites,
o que não deixas transparecer.
Tatear o que me escondes,
desabotoar tuas pausas,
compreender tuas causas,
aceitar-te como és.
E no silêncio da resposta
que me percorre e corrói,
mergulhar em tua fala
que dói e silencia.

Sol

Sol que me ilumina a face
e me silencia a dor.
Sol que encanta os olhos
e dá vida a flor.
Sol que me faz voar
nas plumas dos seus raios.
Sol que pronuncia risonho
um poema de abraçar.
Sol que desperta a vida
no cantar dos pássaros,
no arrastar da brisa.
Sol que me traz a calma
abraça-me com sua luz
e dá-me paz à alma.

Procura

Onde buscar a sabedoria das palavras
quando o coração se recolhe em silêncio
e com sentimentos já tão desgastados,
veste-se de ansiedade e se cala.
Já não sou ontem
e o hoje se perde
em lacunas frias.
Já não busco sonhos,
apenas o ar.
O som que teima em atravessam as paredes
é presente.
O chão bruto sob os pés
é concreto.
O resto
são respingos esparsos
de um dia que passou
sem deixar marcas.

Trilhas

Trilhas de folhas caídas
pelo outono vencido,
acolhem meus pensamentos.
Olho todos os atalhos
sem as delícias de outrora,
e sigo a passos lentos.
Ilusões,
folhas caídas,
chances perdidas.
Apelo no tempo esquecido:
a lembrança andarilha
perde-se pelas trilhas
da saudade inevitável,
se diluindo em gotas pelo
caminho onde persigo sonhos
num outono que se finda.

Espera

Foram tantas vidas,
tantos sonhos
que criamos.
Tempo
que formamos esperas silenciosas.
Nos emudecemos,
deixamos tantos caminhos
intactos.
Sufocamos o mais real:
o amor,
a beleza pura e rara do sentimento,
pelo simples fato de não querermos
ser amados.

Pedaços

Parte de mim,
pedaço meu.
Você é assim:
o tu do meu eu.
E a cada dia,
sou mais tua.
Tu és minha poesia.
És o sol da minha lua
que ilumina a escuridão
quando nada mais existe.
Tu roubaste meu coração
e fez feliz minha vida triste.

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