Amor de mãe!

Fala-me com doçura.
Necessito embalar-me em tua paz.
Momentos de brandura,
que só tua presença traz.
Ajuda-me a renascer.
Já morri tantas vezes.
Ensina-me a viver.
Quero voltar a crer.
Abraça-me com ternura
e no mesmo compasso
da mesma emoção,
sejamos um só coração.
Afasta-me dos medos,
sombras e fantasmas
que impedem meus passos,
sufocando meus sonhos.
Vens libertá-los.
E juntamente sonhá-los.
Traze-me de volta a mim
antes que seja tarde
e nosso tempo acabe.
Está em tuas mãos:
socorre-me.
Pois só o amor de mãe pode.

Lamento!

Lamento pelo inconcebível,
pelo incabível,
pelo que poderia ser e não foi,
pelo que foi e não se pôde mudar.
Pelo desamor,
pelo botão de flor,
pelo não desabrochar.

Lamento a inocência perdida,
imagem denegrida
arremessada, distorcida,
cotidiano da vida.
Lamento pelo vandalismo,
pelo desprezível e insano
cenário de desafeto humano.

Lamento pela fome doída,
pegadas de idas e vindas
buscando um lugar ao sol.
Pelas palavras prometidas,
mal ditas, não cumpridas,
perdendo-se pelo arrebol.

Lamento a alma desprovida,
o descaso pela vida
e todo poder abusivo.
Lamento a lágrima rolada
e o coração corroído
da mãe pelo filho querido.
Lamento o filho nas mãos do bandido.

Lamento a existência atribulada,
o amanhã dilacerado,
o nascer inopinado,
o querer e nada ser.
A indiferença no olhar, que jaz,
o curvar-se ao onipotente.
Viver ou morrer? Tanto faz!

Lamento minha impotência,
procedimento estático
de nada poder transformar.
E em linhas mal traçadas
esboço, derrotada,
meu triste lamentar.

Crepúsculo!

Observo o crepúsculo:
perco-me em cores,
lanço-me ao infinito
retiro-me do mundo
em alma e pensamento
que, ao corpo se fundem,
numa leveza irreal.
Esqueço o que é finito
no encontro com o surreal,
tonalidades múltiplas
ofertadas pelo céu.
Misticismo que palpita,
magia que convida
a repensar a vida,
revertendo o papel
a viver o que ainda resta
do muito que se perdeu,
de tudo que ainda pulsa,
do tudo que quase morreu.

Peregrinação!

Vamos sair.
Andar a esmo
sem o tempo a perseguir,
o tique-taque dos minutos
feito bomba-relógio
prestes a explodir.
E mesmo não sabendo onde ir
sigamos qualquer direção,
por ali, por lá, mais além.
Sem porém.
Ouçamos a emoção,
bússola na peregrinação
das incertezas de se chegar.
Nosso olhar falará por nós,
guardemos na alma nossa voz.
Olhares captam o interior,
o que realmente somos.
Escrevem na linha do tempo
o tanto guardado em segredo,
as entrelinhas do enredo.
Sejamos o nosso porto
para as horas de cansaço.
Nele ancoremos entrelaçados
onde a vida fez questão de nos atar.
Vamos sem rumo.
Barcos sem orientação.
Num ir-se sem volta.
Sem revolta.
Sendo as batidas do coração.

Verdor que salta!

Inminencia,
celeste inminencia
de días que son pájaros,
de pájaros que son venas.
Frescas corolas que se imantan
más allá de mi abismo.
Un ritmo aparte que mitiga
la ausencia en que me hallo.
Algo como un dolor
que acorta la distancia del cielo.
Tendré un nuevo ser.
Un ritmo cenital que me hace libre
de todos los augurios de la tierra.
Verdor incontenible.
Verdor que salta
hasta alcanzar el triunfo
de lo que ha sido en mí
la noche plena.

Entrega!

Entrego-me ao crepúsculo das horas,
ao tempo que não se demora,
ao sonho impalpável
irrompido da aurora
onde minhas mãos resvalam,
tremem, teimam, demoram
pelo cansaço da persistência.
Entrego-me ao intransitável,
às lonjuras sem demarcação
a transitar minha existência,
minha solidão.
Às veredas purpurizadas,
aos canteiros de jasmins,
às belezas não sondadas
que não vejo, mas existem sim,
aos sonhos interditados
sem avisos nem porquês,
ao desejo de ir, apesar de.
À sensação de que vai passar
e permanece, sem trégua,
em mim.
Aos mistérios a rondar,
ao ter que crer sem ver
e ninguém para revelar.
Ao definitivo do não eterno,
à certeza de haver um fim,
às perguntas sem respostas:
Para onde vou? De onde vim?
Meu silêncio a gritar
e ninguém a me ouvir.

Teu silêncio!

Olho-te bem devagar.
Há sempre uma verdade
a ser descoberta,
uma porta fechada,
uma janela entreaberta,
uma luz apagada,
um brilho varando pela fresta.
É preciso desvendar detalhes,
tocar teus limites,
trocar nossos olhares,
concedermo-nos nos ver
e até onde me permites
conhecer o que omites,
o que não deixas transparecer.
Tatear o que me escondes,
desabotoar tuas pausas,
compreender tuas causas,
aceitar-te como és.
E no silêncio da resposta
que me percorre e corrói
mergulhar em tua fala
gritante, berrante, calada,
que imensamente dói.

Eutanásia!

Hoje minha poesia está só.
Triste, pede para morrer.
Não quer mais se atrever,
não quer mais voar.
Pede-me eutanásia.
Cansou de se expor,
gritar de canto a canto
o desencanto que a fez vibrar,
levar aos quatro cantos a arte de amar,
mostrar-se vulnerável à dor,
e toda a fragilidade
carregada de verdade
manifestada em versos.
Despiu-se e me despiu
desfiando seu rosário,
ao indignar-se com o que viu.
Ninguém viu, ninguém leu, ninguém sentiu.
Hoje, descrente, pede para morrer.
Covarde ou valente?
Pouco importa a esse mundo indolente.
Não sei bem o que faço.
Compreendo o seu cansaço
ou tento compreender.
Mas sem ela
como vou viver?

Poder!

Poetiza-me.
Deixa-me respirar teus versos.
Livra-me dos poderes adversos.
Percorre meu interior.
Descreve-me em toda versão.
Divulga-me assim.
Mora na calma da paz de um coração
a pulsar, das manhãs, a canção.
Vive teus momentos em mim.
Inspira-te em sentimentos que falam
do amor que evolui e constrói.
Me reconstrói.
Sou fruto de sensibilidades,
poço de fragilidades
que se apropriam de essências
geradas no cerne da alma.
Leva-me em tua poesia
onde a magia faz crer
que o inadmissível estarrece
e o impossível acontece.
Carrega-me,
entorpecida bailarina
a deslizar no inusitado de tuas rimas.
Cerra a linha do tempo
e que nos leve os vendavais
a ancorar nos sonhos atemporais.

Saudade!

Desmaia-me o espírito no tempo,
dilui-se a vontade
em cada dedo da minha mão.
O olhar,
vago de ontem,
cerra-se no amanhã
pelo receio de não sentir.
Escorrega-me a força do abraço
que carrega os sonhos,
e se vão transformando em utopias
ocas,
frágeis,
solitárias
e tantas vezes cruzadas
com o desespero da incerteza,
a dor da ausência,
o nó da saudade.

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