Grito!

No diafragma aberto
o (des)concerto do ar:
uma música
que foi deixada
sem letra,
sem rumo
suplicando melodia.

Novo Mundo!

Enfim, um mundo novo:
sem pecados originais
e crueldades habituais.
Enfim, terra para todos:
natureza em harmonia
e humanos em sintonia.
Enfim, vida em plenitude:
beleza primordial
e amor incondicional.
Enfim, não mais utopia:
renascimento das almas
compartilhando a alegria.

Poesia!

Trago suspensa nos lábios
a palavra poesia.
Trago, na ponta dos dedos,
todos os versos por escrever.
Nos olhos, trago estrofes,
métricas, rimas e tercetos.
Tantas quadras de ilusão
que na forma nunca rimam,
mas que enquadram um sentir
vasto e profundo,
cheio de percalços no caminho,
à beira de um abismo.
Existo para sofrer em minha
própria dor.
Destruo-me e renasço
a cada instante,
para em seguida,
voltar a morrer e depois a renascer.
Sou assim em cada verso,
porque trago suspensa, nos lábios,
a palavra poesia
e na ponta dos dedos
todos os versos por escrever.

Métrica!

Acerta a tua voz
pelo rigor da ternura
acerta o coração
pela violência do grito
acerta o teu olhar
pelas lágrimas da vida
e não
pelo discurso,
pelo relógio,
pelo apito
que, milimetricamente,
marca a hora certa
da entrada e da saída.

Infinito!

Quero alcançar os sonhos,
ultrapassar limites,
ir ao fim do mundo
Em um mergulhar profundo.
E, se o inatingível me permite,
cruzar a linha do horizonte,
atravessar a ponte
que une o infinito
aonde o sol se esconde.
Quero vestir toda a magia,
fazer estripulia,
abusar da fantasia
e em um voo inusitado
ver versos espelhados
na luz que traz o dia.
Quero, durante o anoitecer,
em nuvem azul-marinho,
poemas em dourado, tecer
e soprá-los de mansinho
feito poeira cósmica
e ver o céu resplandecer.
Quero ser a própria poesia
e toda a alegoria
que validam o viver
e depois dos versos derramados,
entusiasmos explorados,
quero renascer.

Vazio!

Bate-me a solidão.
Não sei se vem com o vento,
com o tempo, a contratempo,
ou mora em mim.
Com ela o insano desejo
de tardias realizações
como se ainda fosse tempo
de fantasiar ilusões.
Que desejo permanece
se o ensejo enfraquece
quando se chega ao epílogo
e só cabe o fim?
Desejo feito de vazios,
espaços não preenchidos,
retalhos mal costurados
enquanto o mundo era meu.
Sensação de ter perdido
o que tive em minhas mãos
e nem um sopro de maldade, morreu.
Os melhores momentos
escorridos pelos vãos.
Agora a vida insiste em seguir em frente,
embora o mundo me seja indiferente
ou algum imprevisto venha me surpreender,
cruzar o meu caminho
e um novo sopro, de mansinho,
me chame para viver.

Retrato de Mãe!

Diáfana era aquela luz.
Lembrava vida,
que em teu ventre havia.
Mãe, mulher, Maria!
Cristalizaram-se as águas,
Puras, límpidas, pacatas.
De imenso brilho a manhã surgia.
Essência de amor personificada
exalando aroma intenso,
de incenso, de alvorada.
A paz sacramentou o mundo,
momento sagrado, fecundo.
Em uníssonos, sons pianíssimos,
cânticos e hinos, apaziguadores,
vindos do âmago, oravam louvores.
Unificaram-se os matizes,
berços das cores, dos esplendores
e toda beleza resplandeceu o ar,
colorindo todos os cantos de encantos,
nuances suaves a divagar, testemunhar,
invadindo espaços etéreos, surreais.
Encontro inusitado de sentimentos,
unidos pela aura branda do vento.
Os mais nobres e delicados.
Os mais discretos e cordatos.
Os mais sublimes e abençoados.
De auréolas divinas, coroados.
Mãe, ousei descrever o teu retrato.

Amor de mãe!

Fala-me com doçura.
Necessito embalar-me em tua paz.
Momentos de brandura,
que só tua presença traz.
Ajuda-me a renascer.
Já morri tantas vezes.
Ensina-me a viver.
Quero voltar a crer.
Abraça-me com ternura
e no mesmo compasso
da mesma emoção,
sejamos um só coração.
Afasta-me dos medos,
sombras e fantasmas
que impedem meus passos,
sufocando meus sonhos.
Vens libertá-los.
E juntamente sonhá-los.
Traze-me de volta a mim
antes que seja tarde
e nosso tempo acabe.
Está em tuas mãos:
socorre-me.
Pois só o amor de mãe pode.

Lamento!

Lamento pelo inconcebível,
pelo incabível,
pelo que poderia ser e não foi,
pelo que foi e não se pôde mudar.
Pelo desamor,
pelo botão de flor,
pelo não desabrochar.

Lamento a inocência perdida,
imagem denegrida
arremessada, distorcida,
cotidiano da vida.
Lamento pelo vandalismo,
pelo desprezível e insano
cenário de desafeto humano.

Lamento pela fome doída,
pegadas de idas e vindas
buscando um lugar ao sol.
Pelas palavras prometidas,
mal ditas, não cumpridas,
perdendo-se pelo arrebol.

Lamento a alma desprovida,
o descaso pela vida
e todo poder abusivo.
Lamento a lágrima rolada
e o coração corroído
da mãe pelo filho querido.
Lamento o filho nas mãos do bandido.

Lamento a existência atribulada,
o amanhã dilacerado,
o nascer inopinado,
o querer e nada ser.
A indiferença no olhar, que jaz,
o curvar-se ao onipotente.
Viver ou morrer? Tanto faz!

Lamento minha impotência,
procedimento estático
de nada poder transformar.
E em linhas mal traçadas
esboço, derrotada,
meu triste lamentar.

Crepúsculo!

Observo o crepúsculo:
perco-me em cores,
lanço-me ao infinito
retiro-me do mundo
em alma e pensamento
que, ao corpo se fundem,
numa leveza irreal.
Esqueço o que é finito
no encontro com o surreal,
tonalidades múltiplas
ofertadas pelo céu.
Misticismo que palpita,
magia que convida
a repensar a vida,
revertendo o papel
a viver o que ainda resta
do muito que se perdeu,
de tudo que ainda pulsa,
do tudo que quase morreu.

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